quarta-feira, 23 de março de 2016

APRESENTAÇÃO

Na fronteira de dois mundos: um, o país continente chamado Brasil; o outro, a América Latina de língua hispânica. Nessa região, ao sul dos mapas, e que se assemelha muito mais a uma intersecção do que a uma linha divisória, estamos nós. Mestiços, tanto em nossa formação genética, como em nossa identidade cultural. Bebemos da fonte de dois rios que se encontraram lá na Ibéria e que aqui se depararam novamente, mesclando-se, por sua vez, ao caudaloso rio indígena e ao profundo rio africano. Depois, outros rios também se mesclaram a nós. Dessa junção é que somos formados. Esse é o sumo que irriga as nossas veias e é o material invisível que transformamos em poemas e canções. Em meio a tudo isso, o tempo.

Sempre o tempo. O passar de muitas gerações. Os que vieram antes apontando o rumo, dando um sentido ao que fazemos e somos. São eles a voz do tempo nos dizendo que a deles - e, por legado, a nossa - não é uma arte que chega fácil aos ouvidos; não tem essa pretensão, posto que é mais de conteúdo que de embalagem; mas é, isto sim, uma arte que tem o intuito de permanecer, de ser rio perene, de gravar no tempo os seus passos. De seguir, sem pressa, trilhando os seus próprios caminhos. Que são os caminhos de nós mesmos.

EVOCAÇÕES POÉTICAS E MUSICAIS DESTES CAMINHOS DE SI

Jaguarão, para quem não a conhece, é cidade de quem está apenas passando pelo mundo.

Jaguarão, do lado de uma Ponte cujo outro lado é como o de cá, igual, o de uma terra só (de um único sol, de um mesmo céu, de um vento igual), uma terra de magia fronteiriça que está posta aqui com muita identificação, sensibilidade e poesia, nestas evocações poéticas e musicais destes Caminhos de Si.

Aqui, neste pedaço de Jaguarão, podemos nos encontrar com a cidade e com a fronteira mágica na poesia, na música e na interpretação de Martim César, Paulo Timm e Hélio Ramírez (entre vários colaboradores).

Esta é a oportunidade de alguém chegar a Jaguarão sem ter ido lá; e, no entanto, no contato com cada faixa que a cultura jaguarense nos proporciona aqui, sentir-se como um tipo novo, que já não está apenas passando pelo mundo.

Aldyr Garcia Schlee

TUDO QUE VI LI E OUVI ESTÁ AQUI

Um dia peguei a estrada com os beatniks e me deixei levar. Chamei Whitman e saí a procura de mim. Conheci a história de Jose Martí, de Bolívar e de San Martin. Das revoltas indígenas no Peru e dos mineiros na Bolívia. Li contos e li poesia.  Li as veias abertas e o canto geral. Li Galeano e li Neruda. Antes, li Cervantes.  Depois adentrei por Gabriel García Márquez, Ernesto Sabato, Rulfo, Schlee, Cotázar e outros mais. E quando me vi, me vi no espelho de Borges. Conheci o cinema do cubano Gutierrez Alea e do argentino Fernando Solanas. Conheci o teatro El Galpón e ouvi o Tarancón. Ouvi a voz de Violeta Parra de Zitarrosa e de Victor Jara . Ouvi o bandoneón de Piazzolla e o silêncio de Atahualpa.  Fui longe, eu sei. Só não sei o porquê de buscar caminhos tão longe se Jaguarão não é longe se Jaguarão é tão perto.  Enfim, é quase sempre assim: se busca longe o que está perto. Tudo que vi li e ouvi está aqui - na palma da minha mão. Boa audição.

Enilton Grill

FICHA TÉCNICA DO CD "O TEMPO"

Gravado no Estúdio Luvi/Pelotas-RS
de março a outubro de 2015

Técnico de áudio: Victor Duarte
Mixagem: Victor Duarte e Paulo Timm
Masterizacão: Victor Duarte
Direção musical: Paulo Timm
Direção executiva: Martim César e Paulo Timm
Produção executiva e Fotografias: Elis Vasconcellos
Imagem do centro do encarte: obra  ‘Fantástico’ de Leandro Barrios
Projeto gráfico: Nativo Design
Direção de arte: Valder Valeirão

Produzido por Paulo Timm

Contatos
martices20@gmail.com
ramirezbio@hotmail.com
paulotimm2012@gmail.com
53 8424.4770 (Paulo Timm)

LETRAS E FICHAS TÉCNICAS DAS MÚSICAS DO CD CAMINHOS DE SI "O tempo"

1. Cruz do Sul
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Paulo Timm e Hélio Ramirez

O fantasma de um corsário
Ainda vaga pelo Pampa
Num comboio imaginário
De navios cruzando campos

Nos fortins de San Miguel
Santa Tecla, Sacramento
Nas batalhas sem quartel
Se forjou meu nascimento

Índios tapes missioneiros
Como novos argonautas
Enfrentando os estrangeiros
No ocaso de uma raça

O meu sul é esse rio
Pampa imenso feito mar
Fogo grande em meio ao frio
Cruz no céu do teu olhar

No olhar de antigas luas
Sobre os llanos da memória
O extermínio dos Charruas
Ainda sangra nossa história

Correrias pelos campos
Num tempo sem alambrados
Moringue, Borges do Canto
Matreiros sobre o cavalo

Lanceiros de Canabarro
Traição, vidas cortadas
Povos negros desterrados
Triste força das charqueadas

Paulo Timm arranjo e violão
Gil Soares arranjo e flautas
Leonardo Oxley violino e vocal
Nilton Jr. piano e vocal
Renato Popó percussão
Fabrício Pardal Moura baixo



2. Retiranças 
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Hélio Ramirez e Paulo Timm

Do Oiapoque a Jaguarão
Recorri o Brasil inteiro
Vi Antônio Conselheiro
A fazer sua pregação...
Ganga-zumba em Palmares
Proclamar libertação!

Vi o grito dos guerreiros
A ‘entoá’ seu cantochão
Vi Corisco, vi Lampião
Conclamando os cangaceiros
'Neste meu chão brasileiro
Nem a morte eu temo não!’

Eu vi Maria Bonita
(Que era bonita demais!)
Feito flor na Caatinga
Com a Volante de atrás...
Morreu igual Jacobina
No morro do Ferrabrás
Eu vi tudo e muito mais
Nos quatro cantos do país
A saga de Ana Terra
E os sete povos Guaranis
Eu vi a dor de Riobaldo
Ao perder Diadorim
Toda vida, enfim, acaba
Só o amor nunca tem fim

Vi caipiras, vi caiporas
Chico Mendes, Gonzagão
Vi sem-terras, retirantes
Sempre em busca do seu chão
Tanta terra à sua volta...
Mas plantar, não pode não!

Eu vi o Juca Pirama
Vi Sepé e vi Peri
Vi o povo de Zumbi
A gritar por liberdade
Mas essa tal de igualdade
Confesso que eu nunca vi.

Eu vi Anita Garibaldi
Bravura igual, eu não vi não
Eu vi Blau Nunes contando
Um causo de assombração
Vi Bibiana esperando
A volta do Capitão

Paulo Timm arranjo
Negrinho Martins violões e baixo
Gil Soares flauta transversa
Leonardo Oxley violino
Luciano Fagundes violão solo
Renato Popó percussão e djembê



3. Milonga por Don Sejanes
(Martim César / Paulo Timm)

Intérprete: Paulo Timm

Don Sejanes, fronteiriço
Senhor de uma terra só
Pois nunca se repartiram
O vento, a lua e o sol

Caudilhos de três bandeiras
Rivera, Bento, Lavalle
Le respeitavam a maneira
Pero ainda mais a coragem

Ao certo nunca se soube
Qual seu pago verdadeiro
Pra alguns era uruguayo
Pra outros... brasileiro

Mas, talvez, nenhum dos dois
(que os livres não têm bandeira)
Quem nasceu além dos mapas
Só tem por pátria a fronteira!

Don Sejanes tão somente
Que o 'Don' ganhou por respeito
Por ser na alma valente
Por ser sincero no jeito

Por andar sempre liberto
Jamais gostou de alambrados
Se o Pampa era o campo aberto
Por que viver embretado?

Morreu num domingo de páscoa
- E tinha como cem anos –
Esteio altivo da raça
Que forjou meu solo pampeano

A terra que hoje lhe guarda
Sob uma cruz de madeira
Está mais além dos mapas
É o que muitos chamam fronteira!

Temática baseada em personagem
do escritor Aldyr Garcia Schlee.


Luciano Fagundes arranjo, violões e baixo
Cícero Camargo vocais
Leonardo Oxley violino
Lyber Bermúdez vaso



4. Velho Chico brasileiro
(Hélio Ramirez)

Intérprete: Hélio Ramirez

Triste fim de uma jornada
Triste fim de uma estrada
Pra quem é tão brasileiro
Choram desde a Serra da Canastra
Paulo Afonso, Sobradinho
Juazeiro, Praia do Peba

Dêem ouvidos aos barqueiros
Pescadores, carranqueiros,
Lavadeiras, ribeirinhos
Estes sim, conhecem o Chico
Com as almas despojadas
Dos que vivem a natureza
Cada porto, cada curva
O dourado... O surubim
O cantar do acauã
Num remanso em Pirapora

Quem tem o nome de Francisco
Santo é... Santo é...
Inda mais se for o rio
Onde as garças voam lentas
Tendo o poente majestoso
Sobre as flores dos aguapés

Esta letra é dedicada
a Dom Luiz Cappio, bispo da Barra (BA) 
e ao amigo prof. Ezequiel, o mais gaúcho dos baianos.

Paulo Timm arranjo  
Luciano Fagundes violão, baixo e arranjo  
Aluísio Rockembach acordeón 
Ivo Kindel gravação do cantar do acauã  (fonte: www.wikiaves.com.br)



5. Numa antiga estação de trem
(Jorge Passos / Paulo Timm)

Intérpretes: Paulo Timm e Régis Bardini

Por aqui já passou tudo,
Passou vida, passou sorte,
Passageiro com destino,
Bagageiro, arroz, farinha,
Inté já passou a morte!

Passou José, passou Maria,  
Na fumaça, vai com graça,
Ferro e sonho aqui passou
Trem no apito, passou grito!

Olho de boi,
Passou boiada,
Encargada nos vagões
Passou gente,
Passou sina
Dormitando no dormente
Hoje já não passa nada.
Hoje já não passa nada!

Paulo Timm arranjo
Luciano Fagundes arranjo e violões
Douglas Vallejos sax
Gelson Ribeiro percussão
Alencar Feijó bombo
Nilton Jr. piano e vocal
Leonardo Oxley vocal



6. Por cinco minutos
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Paulo Timm e Laura Correa

Por cinco minutos perdeu-se um amor
A semente na flor já não se abrirá
A menina com pressa que chega ao encontro
O menino que pronto também chegará

Um amor represado em mil horas de espera
Em miradas furtivas em meio aos demais
Que assim deixará de saber-se quimera
Nessas almas em guerra que enfim terão paz

Que um pro outro nasceram e assim viveriam
Que seriam felizes não há quem duvide
Até mesmo os anjos de há muito sabiam
Testemunhas que eram desse amor tão sublime

Mas não é que o cupido nesse dia adormece
O destino tem manhas que ninguém sabe ao certo
Os arcanjos não vêem mesmo Deus não percebe
E se fazem distantes os que estivam tão perto

Ele jamais descobriu o quanto ela esperou
Ela jamais entendeu do seu atraso a razão
E por cinco minutos perdeu-se um amor
Quase os mesmos minutos dessa canção

Pandora
(Martim César)

Recitado: Martim César

Uma silhueta de mulher,
bela e fugaz
Que a pupila abrange,
dilata e acostuma
Tão clara no olhar,
etérea como a bruma
Que só existe sem tocar
e ao tocar-se se desfaz

Uma silhueta de mulher,
tão leve como a pluma
Que de todos os desejos,
me desperta o mais voraz
Inflamando os meus sentidos,
tão serena como audaz
E que depois, por livre,
se desmancha como a espuma

Uma mulher igual a todas,
qual se todas fossem uma
Com sua caixa de Pandora
frente a todos os mortais
Aromada nas manhãs
(que à luz da aurora se perfuma)

Uma mulher à flor da pele,
com seus gestos sensuais
Uma mulher igual a todas
- todas elas e nenhuma -
Me provando que hoje é sempre
e amanhã é nunca mais!


Paulo Timm arranjo e violão
Nilton Jr. piano
Gil Soares flauta transversa
Rodrigo Porciúncula cajón
Fabrício Pardal Moura baixo



7. Llamamiento de la Tierra
(Martim César / Hélio Ramirez / Régis Bardini)

Intérprete: Hélio Ramirez

Cuando se queman florestas sangra la vida
Por la ganancia del hombre que todo olvida
En cada árbol que cae crece el desierto
Herencia de arena y sal para nuestros nietos

Se van muriendo los ríos, basura y veneno
Peces de plata al sol, dolor y silencio
Gaviotas que ya no vuelan en sus orillas
Tristeza de olor y aceite que se eterniza

La tierra sangra y reclama por las heridas
Ella que es nuestra casa, que es nuestra vida
La tierra sangra y avisa que no hay más tiempo
Es hoy que se cambia todo o nos lleva el viento

El cielo se llena de humo, se vuelve oscuro
Sin sol, estrellas y aves no habrá futuro
Los niños preguntarán, vacías las manos
Por el verde que recibimos y jamás cuidamos

Los niños que un día fuimos también nos piden
Que luchemos por nuestro mundo, aún es posible
Que el hombre despierte al fin de su loco sueño
¡Porque este planeta vive y no tiene dueño!

Juan Schellemberg arranjo
Luciano Fagundes violões e baixo
Nilton Jr. piano e vocal
Renato Popó percussão
Paulo Timm vocal
Douglas Vallejos harmônica



8. Sertão das águas
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Maria da Conceição e Paulo Timm

Arrepare n'água, seu moço
Parece ser tão igual
Mas o seu jeito de poço
Dá bem a cor do seu mal

Eu vô fiando essas rede
Tentando sobrevivê
Olhando o rio, que de sede
Já não faz mais que morrê

Meu pai contava, seu moço
Que em tempos do meu avô
Havia festa... alvoroço
Na volta dos pescadô

Agora as rede se some
Pelas fundeza do rio
E quando voltam os home
Só barco e olhos vazio

Não sei vivê doutro jeito
Sô pescadô de pequeno
De quando as água do leito
Não conheciam veneno

Vejo no olhar do meu filho
A mesma interrogação
Pra quê as rede que eu fio
Se a vida volta mais não?

Paulo Timm arranjo e violões
Gil Soares flauta
Leonardo Oxley flauta doce
Fabrício Pardal Moura baixo



9. O sal que verte no olhar
(Martim César / Hélio Ramirez / Régis Bardini / Paulo Timm)

Intérpretes: Hélio Ramirez, Daniela Brizolara e Dena Vargas

Recitado: Martim César

'Do cerro do Matadouro
Chegava tropa e mais tropa
Restava a carne e o couro
Que a vida não tinha volta

O sal que vinha de Cádiz
Pra alimentar as charqueadas
Cobrava a vida do gado
E o sangue das mãos escravas

Mas que força é que separa
Os homens por suas cores
Se todos têm em sua alma
Iguais espinhos e flores?

Mas que razão determina
A casa grande e a senzala?
Que lei humana ou divina
Justifica a dor escrava?

Ganga-zumba pediu paz
Liberdade quis Zumbi
Mas teu canto de igualdade
Ainda luta pra se ouvir

Hoje o som do teu gingado
No batuque dos terreiros
São candombes uruguaios
São teus sambas brasileiros

Assim cresceram as cidades
Neste sul do continente
O sal… o suor… o charque
A confundir gado e gente

Às vezes... um fim de dia
Chegando em rubro sol-pôr
Mesclava em água e sangria
Dois rios numa mesma cor

Restaram as cercas de pedra
Os casarões, as fachadas
E uma história que espera
Por ser ainda contada

Paulo Timm arranjo e vocal
Egbert Parada arranjo e violões
Rodrigo Porciúncula corda de tambores
Fabrício Moura baixo e cavaco
Davi Batuka percussão
Lyber Bermúdez tambor



10. Cantata Guaranítica

Intérpretes: Leonardo Oxley, Paulo Timm
e Maria da Conceição

Ruínas de São Miguel
(Martim César / Paulo Timm)

Ruínas, pedra...silêncio
Nas ruas de São Miguel
E esse vazio imenso
Do que já foi, mas não é

Que outra culpa haveria
Além da clara verdade
Que a humanidade podia
Viver, enfim, na igualdade?

Aqui meu canto sem terra
Pra terra voltando vai
Num grito que ainda espera
Por ver os homens iguais

Onde estão teus Karaís?
Teus Tuxavas onde estão?
Trinta povos Guaranis
E é tão só uma a extinção

Algum sino imaginário
Num futuro alvorecer
Dobrará nos campanários
Por quem morreu por viver

Olhos de índio 
(Martim César)

Recitado: Martim César

Sobre um rio de asfalto
onde os carros navegam
Dois mundos se enxergam
frente a frente existindo
Nos olhos do branco 
há luzes que cegam
Nos olhos do índio 
só o passado perdido

Quem avista da estrada 
seu tristonho presente
Seu viver inclemente 
de abandono e amargura
Despreza o seu jeito 
por ser tão diferente
E nem ao menos pressente 
a sua antiga cultura

Personagens estranhos 
desse novo cenário
Onde regras e horários 
encarceram os homens
Onde crescem cidades 
de milhões solitários
De prateleiras repletas 
e de tantos com fome

São olhares distantes 
nas margens da estrada
Histórias veladas 
que o tempo desfez
Nos balaios e cestos 
a herança deixada
A planta arrancada 
não germina outra vez!

Paulo Timm arranjo e violão 
Leonardo Oxley flautas doce
Gil Soares flauta transversa
Fabrício Pardal Moura charango
Lyber Bermúdez bombo


Um sino acorda as Missões
(Martim César / Alessandro Gonçalves)

Era o Uruguay, o rio-mar
A pampa, o sol, era a lua
O conviver milenar
Minuanos, Tapes, Charruas

Teu mundo era a liberdade
A natureza... a inocência
Depois chegaram os padres
Com suas preces e crenças

Nasceram trinta cidades
Sob os desígnios da cruz
Tupambaé e a igualdade
Mais de cem anos de luz

Vem, irmão, ouve comigo
Este sino imaginário
Dessa manhã que por siglos
Despertou nos campanários
Mas não te esqueças... jamais!
Por mais que vá longe o tempo
Podemos, sim, ser iguais
Nos guaranis, o exemplo!

Ainda viva na memória
A infâmia das bandeiras
Ensanguentando na história
A tua terra missioneira

A expulsão do invasor
Caazapa-Guazú, Bororé
Neenguirú, corregedor
De estirpe igual a Sepé

Éverson Maré arranjo, violões, vocal e bombo
Gil Soares flauta transversa
Fabrício Pardal Moura charango
Leonardo Oxley flauta doce

Gravada no Estúdio Digital / Pelotas-RS

Karaí: do Guarani, alusão a alguém dotado de poderes sobrenaturais.
Tupambaé: lugar onde habita uma entidade divina.
Tuxavas: líderes guerreiros Guaranis (Sepé, Neeguirú, etc...).



11. Barqueiro do rio Jaguarão
(Hélio Ramirez) Versão: Régis Bardini

Intérpretes: Hélio Ramirez e Régis Bardini 

Barqueiro, barqueiro 
Do meu rio Jaguarão 
No impulso da taquara 
Leva a teus filhos o pão... 
  
Anda rápido, anda ligeiro 
Que a noite vem aí 
Cuidado com o jaguar grande 
Te espreitando nos sarandis 
  
Tua mulher ficou rezando 
Pra senhora dos navegantes 
Num barraco pau-à-pique 
Triste morada de errantes 
  
Mas tua pele morena 
Já está acostumada 
A sol, chuva, vento forte, 
A granizo e invernada 
  
Teu suor está plantado 
Em cada casa desse chão 
Mas se a paga foi pouca 
O esquecimento não. 

Luciano Fagundes arranjo e violões solo
Régis Bardini violões base e baixo
Alencar Feijó cajón 
Renato Popó zabumba e triângulo
Aluísio Rockembach arranjo e acordeón 



12. A verdade da memória
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Maria da Conceição e Paulo Timm
Recitado: Martim César

Não pensem que esquecemos Pinochet
E os ianques que eram lobos disfarçados
Sob um condor que se fartou do alheio sangue
De um continente para sempre mutilado
Não pensem que esquecemos Libertad...
A prisão que tinha o nome tão mal posto
Num país que foi de Artigas e Sendic
E dos fuzis que deram fim a tantos sonhos

Temos a memória que o tempo não apaga 
Temos a história escrita a ferro e fogo
Passa o tempo só não passam tantas lágrimas
Que ainda escorrem pela alma do meu povo

É sempre tão fácil pregar o esquecimento
É sempre tão simples não lembrar nomes antigos
Lavar as mãos frente à injustiça do passado
Não ouvir a voz das mães-avós dos desaparecidos...

Não pensem que esquecemos Riocentro
Os mercadores de mil mortes anunciadas
Verdes fardas sempre em busca de uma guerra
(Sem canhões e baionetas não são nada!)
Não pensem que esquecemos Rodolfo Walsh
A consciência tem valor, nunca tem preço
Os que entregaram suas vidas por justiça
Viverão na voz do povo... além do tempo!

Paulo Timm arranjo e violões 
Gil Soares arranjo e flautas
Nilton Jr. piano e vocal 
Renato Popó percussão
Fabrício Pardal Moura baixo



13. Cantiga de noites claras
(Martim César / Paulo Timm)

Intérprete: Paulo Timm

Eu lembro quando a gente 
caminhava à toa
Nas ruas da cidade 
nossa vida boa
O mundo ainda cabia 
em nossos corações

Tempos de ser aprendiz 
nas manhãs de escola
E de correr feliz 
num jogo de bola
O futuro era apenas 
uma conjugação

A noite nos trazia 
seu sorriso largo
E um céu todo estrelado 
de dar serenata
A noite sempre tinha
uma lua clara
Que nos presenteava 
seu olhar de prata

Lembrança que me encanta 
E ainda hoje canta
Quando saio 
com o meu violão...
A gente ia cantando 
por toda cidade
As velhas canções de amor 
daquelas serenatas
Que o tempo foi calando 
aos poucos pelas madrugadas

Num tempo em que o tempo
não tinha segredo
Que a vida era somente 
um grande brinquedo
Que tudo era possível 
fosse certo ou não

Tão longe pareciam 
de nós os perigos
Armados com mil sonhos,
cercados de amigos
O destino ainda dormia 
em nossas mãos

Paulo Timm arranjo e violão
Nilton Jr. piano e vocal
Luciano Fagundes violão solo 
Julio Boró trompete
Fabrício Pardal Moura baixo
Renato Popó percussão



14. Mandados de Santa Bárbara
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Daniela Brizolara, Dena Vargas, 
Régis Bardini, Paulo Timm e Hélio Ramirez 

Lá no terreiro do fundo
Fiz a minha cruz de sal
Desde que o mundo é mundo
Sempre espantou temporal
Mas desta vez não me iludo
Santinha, não leve a mal!

Dona Lola, benzedeira
Conta que se as nuvens negras
Correm do mar para a terra
Larga os bois e foge delas
Mas se vão da terra pro mar
Pega os bois e vai lavrar*

Santa Bárbara me salve
De um tempo medonho assim
Antes que o mundo se acabe
A balde, diante de mim
E o céu inteiro desabe
Num aguaceiro sem fim

Nessas horas de tormenta
Sempre volto a ser piá
Lembrando das corredeiras
Depois do tempo escampar
Com barcos de corticeira
Correndo entre os quintais...

Santa Bárbara... lembrança
Dos meus avós, dos meus pais
Retratos que na distância
Já estão longe demais...
Os temporais da minha infância
Os ventos não trazem mais

* Provérbio popular litorâneo.

Negrinho Martins violões e baixo
Gil Soares flauta transversa
Mário Tressoldi violão
Renato Popó zabumba, 
triângulo, pandeiro e palmas



15. A última aventura de Dom Quixote

Pelos caminhos de Espanha
(Martim César / Paulo Timm)

Intérpretes: Paulo Timm e Leonardo Oxley

Quando agora te recolhes 
Ao descanso que mereces 
E os humildes te reclamam 
E as donzelas fazem preces 
Toda a Espanha se pergunta, 
De Catalunha à Andaluzia... 

Como andar nestes caminhos 
Sem teu braço justiceiro, 
Sem tua honra inquebrantável 
De fidalgo e de guerreiro, 
Sem a bravura que pôs freio 
À maldade e tirania?
Foram tempos memoráveis 
Que haverão de ter renome 
Aqueles que tão somente 
A pronúncia do teu nome 
Afugentava os feiticeiros 
E assustava os malfeitores... 

Don Quijote de La Mancha, 
Já imortal se fez tua lenda 
Hoje o mundo vem pedir-te 
Que regresses à tua senda 
Dai-nos outra vez teu sonho, 
Tua coragem, teus valores... 

*Quijano envelhecendo 
em seu comum destino...
Quixote o corpo ereto, 
a alma de menino

*Da poesia O sonho de Cervantes
de Martim César.


A segunda morte de Dom Quixote 
(Martim César)

Recitado: Martim César

Enfim, termina o sonho... 
voltaste a ser Quijano 
E a morte que te ronda 
é a de todo ser humano 
E a sorte que te espera 
é a de todos os mortais... 

Enfim, tudo se acaba... 
e assim, também, a aventura 
Daquele heróico cavaleiro 
nem recordas a figura... 
- Aqueles dias memoráveis 
não regressarão jamais!
E, no entanto, o que importa 
a tua tardia lucidez? 
Se o mundo sempre vai 
lembrar a altiva insensatez 
De um louco que sonhou 
ser um sonho a realidade... 

Teu nome: Dom Alonso... 
será apagado pelo vento 
Mas Dom Quixote viverá 
muito além do esquecimento 
Além de ti, além de mim...
enquanto houver humanidade! 

Excerto final do Esquete teatral 'O sonho de Cervantes', 
com poemas de Martim César e músicas de Paulo Timm, 
onde Dom Quixote e Sancho Panza são representados 
pelos atores Fernando Petry e Sandro Calvetti
(vídeo para visualização neste blog).

Paulo Timm arranjo e violão
Leonardo Oxley violino
Egbert Parada violão solo
Fabrício Pardal Moura bandolim e baixo
Davi Batuka cajón, djambê e castanholas